Livro aponta equívocos em relatório da Comissão da Verdade da UFSC

Com base em documentos analisados nos últimos dois anos, a advogada Heloisa Ferro Blasi Rodrigues escreveu o livro “UFSC: em nome da verdade”, que será lançado neta quinta-feira (5), às 19h, na sede da OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina), em Florianópolis. Nele, a autora procura mostrar equívocos no relatório final da Comissão da Verdade criada em 2014 na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Primeiro reitor da UFSC, João David Ferreira Lima possui um busto na principal praça do Campus Trindade, que é nomeado em sua homenagem - Foto: UFSC/Reprodução/ND

Primeiro reitor da UFSC, João David Ferreira Lima possui um busto na principal praça do Campus Trindade, que é nomeado em sua homenagem – Foto: UFSC/Reprodução/ND

Segundo a pesquisa, a Comissão da Verdade da UFSC teria distorcido fatos ocorridos durante a ditadura militar, sobretudo em relação a posturas, decisões e comportamentos do primeiro reitor da instituição, João David Ferreira Lima. O livro tem o selo da Dois por Quatro Editora.

O tema é delicado, mas a autora se diz respaldada por documentos guardados por seu pai, Aluízio Blasi, que durante décadas foi servidor da universidade e, na condição de secretário geral, atuou como braço direito de vários reitores da instituição. Heloisa afirma que sempre condenou a ditadura, foi contra os excessos do regime militar e defendeu os direitos de manifestação de professores e servidores, mas não pode se calar diante da “série de inconsistências do relatório”.

O documento, aprovado em 2018 pelo Conselho Universitário, acusa o reitor João David Ferreira Lima (1910-2001) de perseguir professores, estudantes e servidores. Um trecho do relatório afirma que “ficou comprovado que o papel de espionagem, denúncia, censura, repressão e controle ideológico foi assumido em determinados períodos pela própria administração da UFSC, através de membros desta ou do próprio reitor, em consonância com os comandos militares e policiais”.

A advogada diz que ficou chocada com o conteúdo e o linguajar utilizado no relatório da Comissão da Verdade. “Me senti até mal”, revela, contando que foi procurada pelo filho do ex-reitor, David Ferreira Lima, que lhe pediu para averiguar fatos ocorridos durante a ditadura na Universidade. “Há palavras bastante ofensivas contra o reitor”, conta ela.

Em 2020, houve uma tentativa de impugnação do relatório final da Comissão da Verdade, que virou processo administrativo na instituição, mas até hoje não teve uma conclusão.

Heloisa Blasi Rodrigues, autora do livro - Divulgação/ND

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Heloisa Blasi Rodrigues, autora do livro – Divulgação/ND

Capa do Livro 'UFSC: Em Nome da Verdade' - Divulgação/ND

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Capa do Livro ‘UFSC: Em Nome da Verdade’ – Divulgação/ND

Regime puniu estudantes, professores e técnicos considerados subversivos

Um argumento a favor do primeiro reitor da UFSC é de que ele não teria forças para se contrapor às decisões de Brasília, que eram monocráticas. Um exemplo foi a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que impôs a Reforma Universitária. Em 13 de dezembro do mesmo ano foi outorgado o AI-5 (Ato Institucional nº 5), que eliminou qualquer resquício de Estado de Direito no Brasil.

A rotina de alunos e professores se tornaria ainda mais tensa após a edição do Decreto nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, que previa a punição de estudantes, professores e técnicos de universidades que se envolvessem em atividades consideradas subversivas. Mestres foram exonerados e o movimento estudantil passou a ser encarado como inimigo perigoso do sistema em vigor.

Em 1970, sob as ordens do general Emílio Garrastazu Médici, foi editado o decreto nº 66.732, que criou as ASIs (Assessorias de Segurança e Informações) e as AESIs (Assessorias Especiais de Segurança e Informações), com o objetivo de controlar ainda mais o movimento estudantil e os professores. Na UFSC, a ASI foi criada em 1972, na gestão do reitor interino Ernani Bayer.

Para a autora do livro, diante desse cenário, o reitor Ferreira Lima precisou se submeter a exigências e pressões do regime para não desperdiçar o esforço de anos, dele e de seu grupo, para consolidar uma universidade que está hoje entre as melhores do Brasil.

Reitor da UFSC 1961 e 1972, Ferreira Lima foi acusado pela Comissão da Verdade da Universidade de ter colaborado com a ditadura militar do Brasil - Foto: UFSC/Reprodução/ND

Reitor da UFSC 1961 e 1972, Ferreira Lima foi acusado pela Comissão da Verdade da Universidade de ter colaborado com a ditadura militar do Brasil – Foto: UFSC/Reprodução/ND

Após ‘descobertas’ da Comissão da Verdade da UFSC, movimento quer mudar o nome do campus da Trindade

Como desdobramento do relatório da Comissão da Verdade, há um movimento para trocar a denominação do campus da Trindade, que leva o nome de João David Ferreira Lima. Uma das justificativas é que ele não teria sido protagonista, mas coadjuvante, no processo de criação da UFSC, ao contrário do professor Henrique da Silva Fontes, que era de outra corrente partidária.

Pelos documentos analisados por Heloisa Blasi Rodrigues, Silva Fontes não foi afastado compulsoriamente por Ferreira Lima, como está no relatório da Comissão da Verdade, mas saiu quando seu grupo, que defendia a criação de uma universidade estadual, foi vencido pelos que queriam a implantação de uma instituição federal de ensino superior em Santa Catarina.

“Fontes foi um emérito intelectual, professor da Faculdade de Direito (criada em 1932) e amigo do primeiro reitor”, afirma a advogada. A UFSC surgiu em 1960 a partir da junção de seis faculdades isoladas que funcionavam em Florianópolis. Ferreira Lima permaneceu no cargo até 1971 e chegou a ser fichado e vigiado pelos órgãos de segurança nacional.

Na introdução do livro, a autora também ressalta que “nada do que foi realizado e construído naquele período [gestão de Ferreira Lima] mereceu referência” no relatório. Ela escreveu: “É de domínio público que os dez primeiros anos da UFSC foram muito profícuos. Instalada em 12 de março de 1962, apesar das inúmeras deficiências iniciais, com apenas seis cursos que se integraram no primeiro ano de existência, partiu altaneira e foi marco, no século 20, para o desenvolvimento de Florianópolis e Santa Catarina”.

Movimento foi criado para exigir a mudança do nome do campus e a retirada de demais homenagens ao reitor Ferreira Lima após relatório da Comissão da Verdade da UFSC - Foto: Moacir Pereira/Arquivo/ND

Movimento foi criado para exigir a mudança do nome do campus e a retirada de demais homenagens ao reitor Ferreira Lima após relatório da Comissão da Verdade da UFSC – Foto: Moacir Pereira/Arquivo/ND

Aluízio Blasi, uma carreira dentro da Universidade

A decisão de Heloisa Ferro Blasi Rodrigues de publicar o livro “UFSC: em nome da verdade” também tem relação com o desejo de preservar a memória de seu pai, que passou boa parte da vida a serviço da universidade, sempre foi considerado um servidor ético e não teria apoiado possíveis equívocos atribuídos ao primeiro reitor, e nem a outros que o sucederam e que ficaram igualmente sujeitos a pressões que vinham de cima para baixo.

Boa parte da trajetória do renomado advogado foi contemplada no livro “Pausa e movimento: escritos de Aluízio Blasi” (Dois por Quatro Editora, 2021), também publicado pela filha Heloisa. Ali é feito um balanço da carreira de Blasi, da sua passagem pela Faculdade de Direito de Santa Catarina, pela UFSC, pela OAB/SC (que presidiu entre 1977 e 1979), pelo Tribunal de Justiça do Estado e pelo Instituto Histórico e Geográfico, além da Academia Catarinense de Letras Jurídicas. Ele também pesquisou e escreveu artigos sobre o conflito do Contestado, um de seus temas mais caros.

Segundo a filha, Blasi tinha o hábito de guardar tudo o que podia, incluindo documentos originais ou cópias, recortes de jornal e os artigos que publicava. Foi esse material que serviu de suporte para o livro a ser lançado hoje. O advogado não foi citado no relatório da Comissão da Verdade, o que é interpretado por Heloisa como uma tentativa de apagar o seu legado. Natural de Campos Novos, no Meio-Oeste catarinense, Aluízio Blasi morreu em 2018, aos 88 anos.

Heloisa Ferro Blasi Rodrigues tem formação em Letras e Direito pela UFSC, onde foi professora substituta. Também deu aulas na Faculdade Estácio de Sá e trabalhou durante muitos anos no escritório de advocacia de seu pai, em Florianópolis.

Serviço

  • O quê: lançamento do livro “UFSC: em nome da verdade”
  • Quando: quinta-feira (5/12), às 19h
  • Onde: sede da OAB/SC (rua Paschoal Apóstolo Pitsica, 4860, Agronômica), em Florianópolis
  • Quanto: R$ 70
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