Jovem trans decide ser médico após sofrer transfobia em consultórios


Liel Marín é o único transmasculino no curso de medicina da UFOB e foi aprovado pela política de cotas. No Brasil, 23 universidades públicas política de afirmação para alunos e alunas trans desde 2018. Nesta quarta-feira (29), é celebrado o Dia da Visibilidade Trans. Liel Marín, estudante de medicina da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB).
Arquivo Pessoal
O estudante de medicina Liel Marín bem que tentou silenciar para si e para os outros sua verdadeira identidade de gênero. Por muito anos, se identificou como uma mulher lésbica e, assim, foi se livrando da dores da transfobia.
Ainda sofria discriminação, principalmente da família, mas achava que isso era mais fácil de suportar. “Eu pensava que a vida já estava difícil demais, já era terrível, só por ser lésbica. Imagina sendo uma pessoa trans. Então, eu resolvi silenciar isso dentro de mim e não viver a transexualidade. Isso virou um conflito interno profundo”.
Até que um dia, sozinho em casa durante a pandemia, não foi mais possível fugir. O medo de morrer, negando quem era de verdade, o obrigou a se deparar consigo mesmo – e a vida, de fato, ficou mais difícil a partir de então.
O processo de transição e o tratamento hormonal fez Liel vivenciar a transfobia nos consultórios. “Toda a ida ao médico era complicada. Se eu estivesse com uma gripe, relacionavam ao hormônio que eu tomava. Sempre que ia fazer um exame, mesmo com o nome social no documento, me chamavam pelo nome antigo. Existe muita falta de conhecimento sobre a saúde da população trans”, disse.
Foram as sucessivas violências que o levaram a abandonar a carreira de 10 anos como jornalista, e voltar para a universidade. Hoje, Liel é o único transmasculino no curso de medicina da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), aprovado pela política de cotas.
Liel Marín
Arte/g1
“Quero fazer uma clínica mais humanizada e, acima de tudo, ensinar outros profissionais da saúde a acolherem as pessoas trans”, afirmou.
Essa também é a esperança dos amigos trans, que Liel considera sua verdadeira rede de apoio. “Eles nunca me deixaram desistir. Dizem que querem abrir a porta de um consultório e verem alguém como eu atendendo”.
O futuro médico pretende aplicar nos seus atendimentos o conceito amplo de saúde, que envolve acesso ao lazer, ao esporte e à segurança. “Desejo que outras pessoas trans não tenham as mesmas crises de ansiedade que eu tenho em todos os espaços de saúde”, concluiu.
Cotas para pessoas trans
23 universidades públicas têm cotas para pessoas trans
Arte/g1
De acordo com levantamento do g1, ao menos 23 universidades públicas brasileiras aderiram à política de cotas desde 2018, sendo que 16 delas (69,5%) aprovaram a ação afirmativa entre 2023 e 2024.
As universidades que implantaram cotas para pessoas trans reservaram ao menos uma vaga em cada curso, mas a maioria dessas reservas fica ociosa.
Segundo informações de 8 universidades que repassaram o dado solicitado pelo g1, apenas 190 estudantes ingressaram no ensino superior por meio da ação afirmativa. Eles estão em cursos como medicina, administração, artes visuais, biologia, farmácia, pedagogia e direito.
Segundo o pró-reitor de Ações Afirmativas da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Sandro Augusto Ferreira, a instituição – primeira a implantar a política de cotas para pessoas trans – já ofertou ao menos 300 vagas desde 2018, mas apenas 14 foram preenchidas, e só uma pessoa se formou. Atualmente, nove estudantes que entraram na universidade por meio de cotas estão matriculados.
Os números provam que reservar vagas está longe de ser o bastante para superar um processo de exclusão, que é anterior à universidade.
A dificuldade para as pessoas trans ocuparem as vagas oferecidas, mesmo por meio de cotas, pode ser explicada por pesquisas como a divulgada em 2022 pelo projeto TransVida, realizada com apoio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Transfobia na formação escolar: 36,7% das pessoas trans entrevistadas dizem ter sido vítimas de preconceito
Arte/g1
Segundo o levantamento, 37% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de transfobia durante sua trajetória educacional. Em quase 33% dos casos, a discriminação foi praticada por professores, coordenadores e diretores das escolas. Pelo menos 10% dos entrevistados abandonaram os estudos após episódio de violência.
Desrespeito ao nome social foi o relato mais recorrente, seguido de tortura psicológica e a proibição do uso de banheiro adequado ao seu gênero.
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